sexta-feira

A situação política portuguesa e o síndrome de Estocolmo




É conhecida a trágica situação política, económica, financeira e social que Portugal e os portugueses atravessam: sem economia, sem sociedade, sem um governo credível, com as finanças públicas sempre desequilibradas em resultado dos desvarios dos sucessivos governos desde 1974, em que uns tiveram mais responsabilidade do que outros, mas todos, directa ou indirectamente, contribuíram para a gestão danosa do país, deficientes políticas públicas, elevados índices de corrupção, etc. 

Por outro lado, também não soubemos racionalizar os milhões que nos chegaram dos Fundos Comunitários que entraram em Portugal, muitos dos quais serviram para fazer estradas, escolas e hospitais, mas também serviram de justificação para abater as cotas de produção agrícola e escavacar as nossas pescas. De modo que hoje somos grandes importadores de bens, facto que nos torna dependentes do exterior. 

Esta dependência múltipla torna-nos hoje muito dependentes do Estado que, por sua vez, está mais imposteiro do que nunca, a ponto de asfixiar totalmente a actividade económica com impostos. Isto gera um estado psicológico particular entre os portugueses próxima do sequestro, dado que a maior parte da população está privada do acesso aos bens e serviços que teria numa situação de normalidade. Para agravar esta situação de elevada dependência do Estado e duma coligação de centro-direita que já provou não se entender nem saber governar, as vítimas, que são 10 milhões de portugueses, ainda que sintam essas privações de modo diferenciado em função dos seus rendimentos, tendem a identificar-se quer com o Estado - do qual dependem - quer com a própria coligação moribunda, dado que a convocação de eleições antecipadas por Belém é um cenário actualmente descartado, seja pelos custos dum acto eleitoral nesta delicada fase, seja ainda por uma questão de imagem internacional, mormente perante a Troika que não veria com bons olhos essa possibilidade. As tranches que faltam chegar aos cofres do Estado poderiam até ficar interrompidas no quadro da avaliação em curso até 2014. 
Isto confirma a analogia aqui desenvolvida que considera que Portugal vive, hoje, nos planos politico, económico, financeiro e social, o seu síndrome de Estocolmo. Dado que, apesar de tudo de mau que nos acontece, ficamos paralisados, pois temos de alinhar com aqueles que nos penalizam, ou seja, defender os próprios captores da nossa própria soberania (a troika) e subscrever as medidas de austeridade que este governo moribundo nos tem imposto, mesmo violando a doutrina e as interpretações do Tribunal Constitucional - que já considerou inconstitucionais o esbulho que o Governo de Passos Coelho e de Portas fizeram (e fazem) ao povo português, subtraindo-lhes os subsídios de férias, de natal, etc...
Não obstante este esbulho institucionalizado do Estado português, avalizado pela troika, os portugueses continuam a ter de alinhar com uns e outros (Governo e troika) para nos mantermos a respirar, ainda que a população tenha saído às ruas e chamado "gatunos" aos políticos que hoje mandam no país. 
Esta "identificação emocional" com os nossos captores, constitui, talvez, uma das maiores violências psicológicas que o povo português sofre desde a fundação da nacionalidade, no séc. XII. Mas temos de o fazer primeiro como dispositivo de defesa, e a medo, pois esta é a variável mais presente no sistema internacional explicitada por T. Hobbes, e que hoje revisitamos num país com mais de um milhão de desempregados, com inúmeras falências por dia, com uma brutal carga fiscal, em que o Estado e os seus agentes convidam os seus concidadãos a emigrar, coisa nunca antes vista por parte de titulares do poder político no activo. 
Neste quadro, até as tentativas de libertação se revelam perigosas para os 10 milhões de reféns - que hoje estão na paradoxal situação de ter de conviver com os nossos próprios carrascos por uma estrita questão de sobrevivência. 
Talvez a única diferença relativamente ao verdadeiro processo que levou ao síndrome de Estocolomo é que, neste caso, os 10 milhões de vítimas têm perfeita consciência do sequestro de que estão sendo alvo, sendo certo que muitos portugueses nem sempre conseguem fabricar uma estratégia ilusória para se proteger mentalmente do brutal sequestro financeiro, económico e social de que hoje todos somos vítimas neste imenso cativeiro que não sabemos quando termina. 
É por isso que estas notas são dedicadas às vítimas da troika, hoje dispersas um pouco por toda a Europa - perante uma Alemanha egoísta e cega que está a destruir o velho projecto solidarista da Europa enquanto casa comum de todos os europeus. 

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